A indústria têxtil em Portugal vive hoje um momento de contradição: as exportações têm crescido, o desenvolvimento tecnológico é cada vez maior, mas ao mesmo tempo a concorrência estrangeira é cada vez mais feroz, e vive-se um momento de concentração do mercado.
Este mês, logo na primeira semana, após semanas de conversas em surdina, rumores e aflições, confirmou-se a triste notícia: a IRSIL fechou. Ficam escritos, e serão lembrados, 60 anos de história, e de estórias; daquelas que se confundiram com a história da nossa terra. Em tudo o que isso teve de feliz, mas também em momentos dramáticos que nos marcaram coletivamente.
Foi das mãos e dos braços destas trabalhadoras (e trabalhadores) que saíram alguns dos “melhores fatos do mundo”, para várias marcas e mercados e armários e prateleiras um pouco por todo o planeta.
Mesmo se todos nós, cá fora, quando víamos passar “as mulheres da fábrica”, não nos lembrávamos que eram elas quem projetavam, a altos voos, o nome de Oliveira do Hospital. São estas mulheres que, agora, se veem a braços com a dificuldade de não saber o que irão fazer a seguir. E qual será a sua vida depois de, em alguns casos, terem entregue décadas de trabalho à sua IRSIL. Sim, não eram proprietárias da IRSIL, mas trabalhavam diariamente como se aquela empresa fosse delas. Pertenciam ali, e pertencia-lhes também o orgulho naquele labor.
Hoje, neste texto, quero deixar uma palavra de solidariedade a estas trabalhadoras, mas também uma palavra de esperança: as coisas vão acabar por resolver-se, de uma forma ou de outra. Estamos todos juntos nesta luta, e faremos os possíveis para cumprir a crença de que a vida não pode deixar para trás quem tanto faz por ela – quem trabalha duramente para ter o que é seu por direito.
A indústria têxtil em Portugal vive hoje um momento de contradição: as exportações têm crescido, o desenvolvimento tecnológico é cada vez maior, mas ao mesmo tempo a concorrência estrangeira é cada vez mais feroz, e vive-se um momento de concentração do mercado. Em que sobrevivem menos empresas, as mais fortes, que tiveram maior capacidade de adaptação, e concentram em si e nas suas subsidiárias, a fatia de leão do negócio. O tempo em que o nosso país, erradamente, queria concorrer com a Ásia ou com o Leste europeu numa corrida ao fundo pelo mais barato a todo o custo, é um tempo que terminou. Ou, nos casos em que não terminou, será terminado com a implacável violência da inevitabilidade.
O que hoje é pedido a Portugal, e o que faz diferença na balança comercial, na produtividade e na criação de valor é ter a capacidade de produzir melhor e o melhor. Roupa sustentável, com recurso à economia circular, que dure mais, que valha mais. Essa adaptação é hoje exigida, de forma frontal, às empresas e aos empresários. Com os riscos e investimentos que isso exige – e que são também o que valoriza o papel de um empresário.
Tem havido apoios a esta modernização e digitalização industrial, sobretudo através de fundos europeus, e não é tempo de abrandar nesses apoios. Em meio século, já não somos capazes de fazer contas a quantas crises do têxtil atravessámos, mas tem sido sempre na capacidade de rápida adaptação e desenvolvimento que se tem jogado a sobrevivência do setor. Oliveira do Hospital aprendeu, por vezes da pior forma, como estas crises chegam.
Os apoios a este investimento, além de poderem surgir através de fundos e subsídios, devem também surgir através da fiscalidade: deve haver incentivos e isenções fiscais para quem moderniza, para quem contrata, em particular no Interior, e ainda mais para quem forma e requalifica trabalhadoras e trabalhadores que, tendo dado um contributo indelével para o desenvolvimento do setor durante anos, não devem ser deixados para trás. Devem ser apoiados para poderem manter-se ativos e estarem, como até aqui, entre os melhores naquilo que fazem, à altura das exigências que agora se impõem.
Cabe também às instituições públicas nacionais e locais apoiar este movimento de requalificação. Podem fazê-lo adequando a oferta de formação profissional a estas necessidades, contribuindo ativamente para o seu financiamento, e ainda abrindo a porta ao investimento, procurando-o de forma determinada e criando as oportunidades para que ele se fixe em Oliveira do Hospital e não noutro lado qualquer.
Um agradecimento final
Escrevo este texto a 25 de abril. Não posso fechar esta coluna sem agradecer a todos os que lutaram para que hoje pudesse, livremente, aqui escrever. E, aproveito ainda para vos dizer que cabe a cada um de nós continuar a fazer essa luta pela liberdade, em toda a pluralidade que ela representa.
Num momento tão fraturante da nossa vida nacional há muito quem esteja a perder a vergonha e a enaltecer as supostas qualidades do regime que foi deposto em 1974. As suas maiores qualidades, contudo, esquecem-se delas: era um regime que deixava a riqueza na mão de uns poucos, enquanto votava à pobreza, à exclusão e à exploração o seu povo – sem direitos no trabalho, sem acesso à saúde, sem uma educação de acesso universal. Um país construído em cima das costas dos miseráveis, que carregavam o trono dos senhores.
Venho de uma família humilde que, antes do 25 de Abril, passou fome e miséria. Há por aí quem diga que naquela altura se aprendia a ser feliz com pouco. Não. Naquela altura era-se obrigado a ser triste e a viver sorrindo com pouco, mesmo quando se trabalhava muito, de sol a sol, para que se conseguisse que os filhos sobrevivessem. A humildade não é subserviência.
Se, nesse longínquo e feliz Abril, não tivessem os soldados aberto a porta à Democracia, não estaríamos aqui. Eu, em particular, sei que não estaria.
O filho de uma família pobre não teria estudado fora, não teria conseguido ser jornalista, não teria espaço para escrever livremente e ter quem o lesse.
Não me esqueço. E não nos devemos deixar esquecer: porque os inimigos da liberdade também não esquecem, nenhum dia, a missão da sua vida: destrui-la.
Pedro Miguel Coelho
Profissional de comunicação