Nós não somos obrigados a concordar uns com os outros, e até é possível que em alguns casos consideremos as opções de voto dos outros absolutamente grotescas ou inimagináveis, mas partir do princípio que quem não concorda connosco é burro, é uma péssima forma de começar uma discussão ou um debate.
É frequente, na discussão sobre política, e quando confrontados com opiniões adversas, que alguns concidadãos reajam com um argumento comum, mas bastante cansado: “Para votarem no Partido X, as pessoas só podem ser burras”.
É pobre, é básico e, diria mais, é mentiroso. As pessoas não são burras e têm sempre motivos que veem como válidos para votar como votam. E, se não votam de outra maneira, nomeadamente da maneira que estes interlocutores acham correta, não é por serem desconhecedoras ou incultas, é porque os argumentos destes supostos identificadores de burros não são suficientemente bons para as convencer.
Nós não somos obrigados a concordar uns com os outros, e até é possível que em alguns casos consideremos as opções de voto dos outros absolutamente grotescas ou inimagináveis, mas partir do princípio que quem não concorda connosco é burro, é uma péssima forma de começar uma discussão ou um debate.
Até porque, se invalidamos desta forma as razões dos outros, seremos incapazes de os entender ou compreender e, desta forma, sensibilizá-los para refletirem ou mudarem o seu voto. Iremos apenas vê-los como pessoas “inválidas” para ter uma discussão e, dessa forma, continuarmos a afastar-nos de forma irreversível.
As pessoas, na sua maioria, têm preocupações semelhantes: querem ter emprego, um salário mensal que lhes permita viver, gastar em coisas que gostam e poupar, querem ter acesso a saúde, a educação, a uma habitação condigna, querem que a pobreza e a desigualdade sejam reduzidas. É o que dizem os dados dos vários inquéritos feitos, nomeadamente pela OCDE.
É um erro acreditarmos que, para alcançar estas prioridades, todos tenhamos de defender um mesmo caminho. Tal como é de uma arrogância sem igual achar que duas pessoas sérias, perante os mesmos dados e informação, decidam exatamente da mesma maneira. Há muitos outros fatores que influenciam a nossa tomada de decisão: a nossa idade, de onde vimos, quanto ganhamos, qual o nosso género ou sexualidade, qual o nosso nível de educação.
Uma pessoa de mais idade terá, em geral, mais preocupação com o acesso à saúde ou com o valor da sua reforma, ao passo que alguém a iniciar a sua vida profissional terá como preocupação a sua própria progressão salarial ou como pode ter acesso a uma casa que possa chamar de sua. Em função disso, serão feitas escolhas diferentes, de acordo também com os valores defendidos: mais progressismo, mais conservadorismo, maior ou menor intervenção do Estado na economia. E todas elas são legítimas.
Dito isto, as pessoas podem estar mais ou menos informadas, e terem acesso a melhores ou piores fontes de informação, mas nunca o motivo de um voto ou escolha política é a burrice. E, se estivermos insatisfeitos com o desconhecimento de quem nos rodeia, e quisermos fazer um favor à democracia e à causa pública, devemos informar, sensibilizar, chamar a atenção. O que só é possível fazer com respeito e lealdade intelectual. Que nunca passa por chamar as pessoas de burras. E, já agora, também não passa por tentar fazê-las de burras, que é algo que tem alguma tendência a acontecer em períodos de campanha eleitoral.
Que este seja um tempo de discussão saudável e aberta, e que saibamos construir pontes e diálogo, sem desumanizar os nossos concidadãos ou nos virarmos uns contra os outros. Quando assim é, há sempre alguém que sai a ganhar. E nunca é o cidadão comum.
Pedro Miguel Coelho
Jornalista do “Expresso”