Tarda o contacto dos nossos alunos com a História do Livro e das Bibliotecas. Como pode o indivíduo criar proximidade e cumplicidade com algo que desconhece?
As bibliotecas foram e são, de tal forma, importantes para a História da Humanidade que passados cerca de 5300 anos desde a sua criação, continuam a estar presentes nas nossas comunidades, gratuitas e disponíveis para quem
A nossa experiência do passado e a nossa prática da recordação são livrescas no sentido mais denso da palavra. A partir das civilizações mesopotâmicas e egípcias, berço do livro e das bibliotecas, os seres humanos asseguraram o registo da memória e, através dele, a preservação da sua História, o que de alguma forma vinham já fazendo, com as gravuras rupestres, os pictogramas e por via da oralidade.
Pensemos nas primeiras bibliotecas, que terão surgido cerca de 3300 a.C., as e-du-ba, casa das tabuinhas, ainda proto-bibliotecas, espaços criados pelos sumérios para abrigar e proteger as tabuinhas cuneiformes, onde os escribas inscreviam registos económicos, listas lexicográficas, catálogos de flora, fauna e minerais, ou na biblioteca de Ebla, fundada cerca de 3000 a.C., numa cidade com cerca de 25000 habitantes e mais de 1200 funcionários administrativos. Esta biblioteca, extraordinariamente organizada chegou a abrigar mais de 15000 tabuinhas, escritas dos dois lados, onde se registavam listas de cidades conquistadas, textos históricos e dicionários bilingues, o que vem provar que já naquela época se fazia investigação filológica. Em suma, da biblioteca de Alexandria, à de Pérgamo, bem como, às de Ur ou de Nínive, referindo apenas algumas das mais importantes do mundo antigo, aos nossos dias, o conhecimento tem estado intrinsecamente ligado à biblioteca. Os seus catálogos foram e são o abrigo da memória da grande família humana. Pelo menos assim tem sido até agora, mas até quando?
No presente momento, em que se vive um exponencial crescimento e disseminação da informação, as bibliotecas são mais uma vez e em todas as suas vertentes, o reflexo e a representação de uma sociedade em constante desenvolvimento e mudança. Mesmo numa conjuntura de grandes alterações, onde a revolução digital se instalou e, depois da qual, nada voltará a ser igual, a biblioteca deve continuar a ser olhada como indispensável para que se continue a assegurar a preservação e a transmissão do património histórico, intelectual, científico e artístico dos povos, das nações, da Humanidade. As bibliotecas foram, desde sempre, um local propício ao crescimento, desenvolvimento dos indivíduos e de sociedades mais esclarecidas, equitativas e justas. A literatura, a arte, a filosofia, são parte importante do conhecimento contido nas bibliotecas, e a possibilidade de aceder a este espólio, através dos tempos, permitiu aos indivíduos desenharem a História do Pensamento Ocidental.
Neste contexto de transição, onde o conhecimento progride a passos largos, numa velocidade nunca até aqui vista, conhecer a origem, a fonte, faz cada vez mais sentido. O incipt é importante para se entender o percurso e o valor das bibliotecas e do livro. A partícula inicial do seu nascimento permanece ainda na obscuridade para o jovem leitor em formação. Esse conhecimento, certamente, contribuiria para despertar o seu interesse e curiosidade, podendo estimular hábitos de leitura, abrindo caminho a que se torne um leitor ávido, autónomo e crítico. Tarda o contacto dos nossos alunos com a História do Livro e das Bibliotecas. Como pode o indivíduo criar proximidade e cumplicidade com algo que desconhece? É necessário olhar para trás para compreendermos o fascínio do homem antigo pelo livro e pelas bibliotecas, e passar esse conhecimento ao jovem leitor coevo, tentando contribuir para que esse leitor em formação reconheça o valor do “objeto” livro e do loco biblioteca e os inclua no seu quotidiano.
Iremos continuar a refletir sobre este assunto, por agora aproveite as férias para ler e visitar a biblioteca mais perto de si.
Paula Frade
Investigadora Instituto de Estudos de Literatura e Tradição – Universidade NOVA de Lisboa