Maria Judite Pinto é uma verdadeira força da natureza. E por estes dias, às portas da maior festa do queijo do país, em Oliveira do Hospital, é impossível passar ao lado do percurso desta empresária e da empresa que criou, juntamente com o marido, Carlos Pinto, já lá vão 25 anos, em Lagares da Beira: a Estrela Artesanal. Com a Serra que sempre foi Estrela no horizonte, a unidade de produção do casal de empresários lagarenses tem também ela chegado “alto”, escalando a montanha de dificuldades de um setor que muitos ainda teimam em ver como de “coitadinhos”.
Nascida “no meio das ovelhas”, como ela própria diz, Maria Judite parecia também ela ter o destino traçado, e tal como a mãe, podia ter continuado a fazer “meia dúzia de queijitos” que vendia à porta. Mas não. A “paixão” pelo que faz e a capacidade empreededora desta queijeira cedo vieram ao de cima, e um ano depois a produzir queijo artesanal no rés do chão de uma casa de habitação, em Lagares da Beira, percebeu que o caminho era o da expansão do negócio, avançando nessa altura para a construção de umas instalações próprias, onde ainda hoje continuam a laborar.
Os anos passaram e a empresa não parou mais de crescer, transformando atualmente mais de dois milhões de litros de leite de ovelha por ano, o que representa, nada mais nada menos, que 400 toneladas de queijo. A estes números somam-se ainda os da produção de queijo DOP ( Denominação de Origem Protegida) que somaram em 2023 cerca de 21 mil litros de leite de ovelha bordaleira Serra da Estrela, prevendo atingir em 2024 os 30 mil litros, num total de seis toneladas. “Há mais procura por parte dos nossos clientes deste queijo”, refere a empresária que aproveita para desmistificar a “confusão” que ainda continua a reinar em torno deste produto, rejeitando desde logo a ideia de “imitação” por parte do outro queijo que é produzido na sua queijaria com leite de ovelha não autóctone.
“Os dois são igualmente bons, a única diferença é que um é feito de leite de ovelha bordaleira e o outro não, isso não quer dizer que não seja um produto igualmente de qualidade e de paladar igualmente bom”, garante a queijeira que se confessa “cansada” desta discussão e da tentativa de denegrirem o queijo de ovelha, produzido nesta região serrana. “Não faz sentido que isso continue a passar de geração em geração, eu produzo os dois e garanto a qualidade dos dois. Claro que o queijo DOP obedece a alguns critérios que lhe confere essa diferenciação, mas são os dois uns bons queijos”, garante enquanto faz questão de nos fazer uma visita guiada ao coração da unidade de produção desta verdadeira iguaria gastronómica. Ali, tudo parece estar alinhado ao pormenor para não falhar nada no processo produtivo. Até porque “este é um produto sensível e qualquer pequena alteração pode estragar tudo”, explica a queijeira que sabe, como ninguém, as “voltas” que o queijo precisa para ser estrela quando chega à mesa dos consumidores.
Atualmente, Maria Judite passa os dias entre a Estrela Artesanal e os Queijos Casa Matias, empresa que adquiriram em 2019, no concelho vizinho de Seia, liderando as duas fábricas e cerca de 40 funcionários, a maioria ainda mulheres, que além dos afamados queijos, produzem o não menos delicioso requeijão. A acompanhar todos os passos da mãe está agora a filha, Sónia Pinto, com formação em Economia, e que escolheu também ela abraçar o negócio de família, juntamente com o marido. “São um casal muito pro activo e incentivaram-nos a dar mais este salto e a abraçar este novo projeto e não estamos arrependidos”, conta Maria Judite.
“A minha mãe é um furacão, todos os dias põe a mão na massa”, disse um dia, numa entrevista à televisão, e nós pudemos comprovar isso mesmo- o orgulho no saber fazer desta maravilha gastronómica é visivel na forma como Maria Judite percorre e nos explica toda a cadeia de produção e a preocupação em inovar num setor onde a tradição já não é o que era, e onde é preciso modernizar e ganhar escala para continuar a garantir um produto de excelência e chegar aos grandes mercados nacionais e internacionais.
“Aquela coisa do desgraçadinho, que não tem sábados, nem domingos, isso não pode continuar a passar para fora, há muitas profissões que não têm sábados, nem domingos e que são reconhecidas e valorizadas”, observa Judite Pinto, lamentando que ainda se continue a olhar demasiado para o passado, num setor que tem tudo para continuar a ter futuro, porque tem mercado e tem as mãos que guardam este saber ancestral. “Temos de fazer ver aos jovens que não é nenhuma vergonha e que não é desprezível ser pastor, porque há maneiras de evoluir também neste setor”.
A Estrela Artesanal percebeu isso, “pensou alto” e por estes dias promete dar ainda mais brilho à maior Festa do Queijo Serra da Estrela do país.