Não há muitos dias, lembrei-me de Edward Said (1935-2003) e Daniel Barenboim (1941) e do seu contributo para pôr um fim à violência na Palestina.
Caro leitor, permita-me partilhar consigo uma breve reflexão. Certamente, tal como eu, terá momentos em que se ressente de toda a convulsão e dor que o mundo atravessa. Nem a pressa do dia a dia, com a velocidade alucinante em que vivemos, conseguem adormecer os nossos sentidos. Como ficar insensível a tantas guerras, a acontecerem em simultâneo, levando sofrimento a povos de quase todos os continentes? Nesta angústia que vamos sentindo quando vemos, ouvimos ou lemos alguma notícia sobre, por exemplo, a guerra da Ucrânia ou da Faixa de Gaza, esquecemos por vezes pessoas extraordinárias que muito trabalharam ao longo da História da Humanidade procurando transformar este planeta num lugar melhor.
Não há muitos dias, lembrei-me de Edward Said (1935-2003) e Daniel Barenboim (1941) e do seu contributo para pôr um fim à violência na Palestina. Edward Said já não está entre nós para testemunhar a forma como escalou o conflito naquela região, nem para sofrer por se aperceber que todo o seu esforço e de Daniel Barenboim, seu amigo de causas, foi afinal em vão.
Foi a música e a admiração mútua que uniu o palestiniano/muçulmano Edward Said e Daniel Barenboim, judeu de origem israelita, nascido na Argentina.
Estávamos em 1999 quando em Weimer aconteceu o primeiro workshop com músicos árabes e israelitas, com o objetivo de promover a convivência e o diálogo intercultural. Concretizava-se, desta forma, um sonho antigo de Daniel Barenboim e Edward Said, nascendo a Orquestra West-Eastern Divan, com o nome homónimo da obra poética de Goethe, vital para a cultura universal.
Tinham o objetivo de reunir músicos de todo o Médio Oriente num projeto contra a intolerância. A orquestra composta por um grupo inter-religioso, onde músicos muçulmanos, cristãos e judeus se uniram, atua pelo menos há duas décadas nas mais icónicas salas de espetáculos, um pouco por todo o mundo. Músicos dos territórios palestinianos, Síria, Egipto, Turquia, Jordânia, Israel e Espanha tocam juntos. “O objectivo da orquestra foi criar uma via de conhecimento, de coexistência entre ambos os lados, apostando sempre numa solução não-militar e na resistência pacífica ao conflito israelo-palestiniano. Esta nova geração tem de ter a cabeça aberta para pensar em alternativas, em como quebrar o muro da separação. Isso tudo vem, claro, depois da música”, diz-nos Mariam C. Said, viúva de Edward Said e Vice-Presidente da Fundação Barenboim-Said.
Afinal este sonho, este projeto em que a música diluía diferenças, como elemento agregador de culturas, por mais dispares que fossem, foi interrompido e em vão. A natureza humana, na sua versão mais ambiciosa e cruel venceu, deixando marcas profundas naquela região. As mortes injustificadas, a fome, os gritos, os choros ficarão escritos para sempre na memória da Humanidade.
Edward Said – Crítico literário, músico, orientalista, professor catedrático na Universidade de Columbia, Estados Unidos da América, autor de mais de 37 obras, traduzidas em várias línguas.
Daniel Barenboim – Daniel Barenboim é considerado um dos mais proeminentes músicos do fim do século XX e início do XXI. Pianista, cedo revelou a sua genialidade, dando o primeiro concerto aos 7 anos. Estreou-se como maestro em 1966, tendo sido convidado para conduzir as grandes orquestras mundiais, como a Ópera Estatal de Berlim onde é Maestro Vitalício da Companhia ou do Teatro alla Scalla, de Milão e, inúmeras vezes, maestro convidado para reger o Concerto de Ano Novo de Viena, com a prestigiada Filarmónica de Viena de Áustria.
Paula Frade
Investigadora Instituto de Estudos de Literatura e Tradição – Universidade NOVA de Lisboa