Foi feliz nestes últimos 12 anos?
Claro que sim, sem dúvida. Foi um percurso a servir os munícipes de Oliveira do Hospital, sobretudo a acreditar num projeto político que apresentámos e que trouxemos durante estes 12 anos, apesar de nunca haver uma felicidade plena, porque nunca conseguimos concretizar todos os projetos que temos, a grande maioria foi concretizada e diria, por isso, que hoje sou um homem feliz com o desempenho que tive, eu e o meu executivo, porque servi o povo oliveirense o melhor que sabia e o melhor que fui capaz.
Elegeu o IC6 como uma das bandeiras prioritárias do seu mandato, mas acabou por não conseguir a sua conclusão. O que é que falhou neste processo?
O IC6 foi sempre uma bandeira, não vale a pena dizer o contrário. Sinto-me em parte derrotado, uma semi derrota, porque se percebe que coloquei sempre este tema na agenda e hoje o IC6 se vai ser construído, como eu acredito, até 2015/2016, deve-se muito a nós nunca termos desistido, e a ser uma luta que é uma questão de justiça aos nossos empresários, mas não só: aos de Seia, aos de Gouveia e penso que este troço até Folhadosa é só uma meia solução, porque ele devia ir até à A25 e até à fronteira.
Foi uma luta que me trouxe dissabores com o próprio Primeiro Ministro, houve um afastamento também em relação ao anterior ministro Pedro Marques devido à minha forma de fazer política, mais genuína, e que, às vezes, choca as pessoas. E, como disse o povo oliveirense já não acredita, mas eu sou dos que acredito que o IC6 vai ser uma realidade até 2025/26, e isso também vai ter um sabor muito especial, de que valeu a pena todo o nosso esforço e o nosso sofrimento.
Se fosse hoje tinha acelerado o calendário para ter o prazer de cortar a fita de mais algumas obras agora em curso sobretudo na cidade?
Não, em relação ao calendário das obras do novo Campus Educativo e da zona história nunca o aceleraria porque tinha a ver com negociações do PEDU e por isso, teve timings. Eu fui à procura de um arquiteto que hoje trabalha connosco que tivesse experiência de requalificação de zonas históricas, nós não podíamos ter uma recuperação só ao nível do calcetamento ou da rede de abastecimento de água. Era preciso ir mais além. E este professor universitário (Prof. Jorge Carvalho) também me disse que nunca faria nada na zona histórica sem estudar a cidade. Ele fez esse estudo e fomos muito mais além do que a zona histórica.
Neste momento estamos a fazer a revisão do PDM muito alicerçada nessa visão, e acredito que lançámos Oliveira do Hospital para os próximos 30 anos. Por isso nunca poderia inaugurar estas obras. Mas deixamos uma coisa nova, que conquistámos e com o voto contra do PSD, que foi o Centro Escolar de Nogueira do Cravo e quando a porta se abriu de irmos buscar uma verba bastante elevada para o Centro Educativo, fomos buscar. E eu também não escondo que fui muito privilegiado por ter sido presidente da CIM, o que me permitiu ter uma visão dos mecanismos dos dinheiros de Bruxelas e como se chegam até eles. Só tenho uma obra que fico com pena de não a ter inaugurado que é a Casa da Cultura que está quase pronta.
É um processo doloroso, é um processo que teve alguns problemas com a empresa a que ganhou o concurso, era uma obra com um prazo de execução de nove meses e já passaram quase quatro anos, muitas coisas correram mal neste processo, na nossa vida nem tudo corre bem, não vale a pena, mas mais importante que isso é que Oliveira do Hospital vai ficar com uma Casa da Cultura que vai dignificar a cidade. É a única obra que sinto alguma mágoa por não ter inaugurado.
Este seu mandato foi marcado pelo grande incêndio de 2017. Sentiu-se impotente para lidar com uma tragédia daquela dimensão?
Senti, senti muitas noites de angústia, de incapacidade, porque o número de problemas era tão grande – porque eu vi, estive com as pessoas e vi coisas dramáticas – que, às vezes, sentia-me impotente e incapaz, até legalmente, de resolver determinadas situações. Eu estive sempre no incêndio, eu próprio e o comandante Camacho estivemos na linha da frente e estivemos em perigo.
O que é que sentiu nessa noite?
Senti uma tristeza enorme, quando me apercebi das mortes, eu digo-lhe que nunca mais dormi como dormia até ao dia 15 de Outubro, nunca mais tive o mesmo sono, a minha esposa é muito testemunha disso. Fui a um psiquiatra, porque eu também sou humano e, a determinada altura, também somos frágeis para lidar com certas situações. Foi uma dor imensa. Eu recordo uma frase que disse aos senhores presidentes de Junta que reuni logo no dia 16, depois de uma noite sem dormir e completamente “esfrangalhado” que a história julgar-nos-ia por aquilo que seríamos capazes de fazer deste dia para a frente e não por aquilo que fizemos até ao dia 16. E este foi o mote que nos guiou a partir dali. A própria estrutura da Câmara que montámos, recebíamos as pessoas todas, porque isto foi muito doloroso, foi muito difícil.
Algum momento que o tenha marcado que ainda não tenha partilhado?
Poderia contar muitas estórias que me marcaram dessa dor. Uma que me marcou foi a de Leonor, graças a Deus, ela está viva, a mãe morreu, e parece que foi o destino que empurrou aquelas pessoas para a decisão errada. A história desta criança talvez tenha sido a história que mais me impressionou, a sequência dos factos que levou à morte da mãe foi uma coisa que me marcou muito, assim como outros, o caso daqueles dois jovens de 29 anos que morreram em Santa Ovaia.
Eu era uma pessoa muito ligado à minha mãe, aquele monumento à mãe também foi a pensar nela, a minha mãe deu uma queda a seguir à minha tomada de posse, em Novembro de 2009, e nunca mais recuperou. Eu estava a entrar no primeiro dia na Câmara e nesse dia desloquei-me aos HUC onde percebi que ela já não voltava a recuperar, morrendo algum tempo depois. Nestes 12 anos aconteceram-me muitas coisas. A morte da minha mãe que era uma pessoa muito próxima de mim e tive pena que a minha mãe não tivesse tido oportunidade de ver que eu tinha sido eleito presidente da Câmara (emociona-se).
Como é que foi lidar com a realidade da pandemia?
Nenhum político em Portugal, nenhum cidadão estava preparado para aquilo que nos aconteceu. E aquilo que é a nossa primeira reação “global” é uma reação de medo, porque não sabíamos como é que iria evoluir a pandemia e o número de mortes que veio a acontecer. Ter medo de perder os nossos munícipes, ter medo de perder as nossas famílias, ter medo de perder os nossos filhos é um drama. Ao princípio ninguém sabia muito bem e nunca nos faltou coragem, nem a mim, nem ao meu executivo de estruturarmos programas ainda debaixo desse medo, e há uma fase em que fazemos alguns cortes financeiros para perceber até onde iriam as dificuldades das pessoas, das empresas, há aqui uma serie de problemas enorme. Eu sou católico e quando falo com Deus, diz-me que me escolheu para estas funções porque sabia que eu tinha características capazes de servir o povo o melhor que sabia.
Eu sempre tive coragem, eu nunca me escondi de nada, nem eu, nem o meu executivo. Por isso, percebe-se que neste mandato vivemos muitas angústias e também deixamos algumas coisas por fazer por não percebermos qual é que seria a evolução. E se nós tínhamos o nosso “slogan” e se as pessoas eram a nossa prioridade, nós não poderíamos avançar com as obras físicas em vez de guardar o dinheiro para aquelas famílias não passarem fome, para as crianças terem todas as condições… eu diria que os meus mandatos foram um bocado difíceis. No primeiro mandato tivemos a troika, e repare no melhor mandato que foi o segundo (2013/2017), atravesso um problema de saúde com um cancro na próstata, que fui operado, que tem corrido bem também com uma grande determinação minha, com uma grande coragem, achei sempre que era capaz de o vencer. Fui operado e passados quatro dias estava a trabalhar não na Câmara, mas na Biblioteca a trabalhar com as minhas equipas. Porque eu precisava de trabalhar, para não pensar no problema, não queria estar em casa fechado a olhar para o tecto e a pensar que ia morrer.
Pensei algumas vezes e, tive medo, como qualquer pessoa normal. Tive medo de deixar as minhas filhas, deixar a minha esposa, os meus familiares, isso é natural uma pessoa ter receios, mas acreditei sempre que era capaz e nunca transpareci isso para a minha equipa. Eles ajudaram-me muito. Eu tive uma família alargada aqui ao executivo que me ajudou nestes tempos difíceis. E foi o mandato mais tranquilo, mas tive este contratempo na minha vida que, graças a Deus, venci, recuperei e sinto que a minha vida nestes doze anos não foi fácil.
Teve contratempos, mas também teve algumas alegrias o nascimento dos seus netos…
Como é lógico, essa foi uma grande alegria. Hoje a minha Francisca e o meu Zé Maria são também as minhas estrelas que me alumiam. Ainda ontem fui ao jardim zoológico com eles e por isso tive muitas alegrias. E muitas conquistas quando vi muitas pessoas com as primeiras habitações recuperadas, as empresas a recuperarem outra vez, e ajudámos muita gente de forma anónima que nos deu muitas alegrias. O programa Casa Digna, o programa de Incentivo à Natalidade, o programa de atribuição de Bolsas de Estudo são tudo programas que deram dignidade às pessoas e nunca quisemos que as pessoas pensassem que deviam alguma coisa ao presidente da Câmara ou que o presidente da Câmara lhe tinha feito um favor. Dar condições para que as pessoas possam viver com dignidade não é fazer favor nenhum.
De tudo o que fiz, aquilo que valorizo mais foi o que fizemos pelas pessoas: as políticas sociais.
Essa proximidade com as pessoas é o que o distingue dos outros autarcas. Quer ser recordado como presidente do povo?
É, como já disse, o maior elogio que me podem fazer. Porque eu venho do povo. O meu pai era analfabeto, a minha mãe tinha a 3ª classe e isso não impediu o meu percurso de vida. Eu herdei muitos genes da minha mãe, porque nós quando começámos a viver melhor, os nossos amigos também viviam, muitos comiam em minha casa, num tempo que era de maiores dificuldades que hoje não são tão perceptíveis. Tenho muito orgulho nas minhas origens, humildes, mas isso não me dá mais valor. Eu até acho que tive sorte na vida, e não é por ter chegado a presidente da Câmara. Sorte porque em momentos nucleares da minha vida, houve qualquer coisa, que me levou a fazer o percurso que fiz. Tivemos um grande desgosto, quando eu tinha 12 anos, porque me faleceu um irmão de acidente: o meu irmão mais velho (nós eramos quatro rapazes). Ele era mecânico e faleceu num acidente de mota em Lagares da Beira. Foi uma grande tragédia e até me tornou muito ansioso.
E, portanto, eu acho que herdei essa essência social da minha mãe. Digo muito vezes que a melhor obra é aquilo que fazemos pelos que mais precisam. Não é que não tenhamos consideração pelos que não precisam, mas é os que mais precisam que nos devem preocupar, porque às vezes só precisam de uma oportunidade. Em quando fiz a quarta classe, fui trabalhar, como todos os outros, para a fábrica de madeiras lá do Ervedal, estive um ano sem estudar, mas depois tive outras oportunidades que os meus irmãos não tiveram. Dos três que ficaram, só eu é que estudei.
Essa política de proximidade, das festas, tão criticadas pela oposição, trouxe-lhe alguns dissabores ou não?
Eu nunca governei a Câmara Municipal a partir do facebook, eu próprio não tenho facebook, só tenho o institucional, ou das críticas da oposição. Ouvir a oposição sim, e reajustar algumas coisas, mas o povo tinha votado em mim e no nosso projeto político para nós governarmos. Há uma coisa que eu também me orgulho, nestes 12 anos, foi a identidade de Oliveira do Hospital. Nós traçámos uma estratégia para que Oliveira do Hospital fosse conhecida a nível regional e a nível nacional e a estratégia da Feira do Queijo foi muito bem conseguida e começa a dar a visibilidade a Oliveira do Hospital que até então não tinha.
Há uma coisa que eu acho que não foi conseguida, que foi a EXPOH. Foi um projeto que não era bem aquilo que queríamos. Tinha de haver mais investimento, mas também uma nova visão.
Tem muito a ver com a forma como OH se afirmou no panorama da região e do país. Aquela ideia que um homem só faz um concelho é o maior disparate que eu ouvi na minha vida e achar que termos um bom presidente de Câmara bom é suficiente para termos um bom concelho também é errado. Mas mesmo a minha eleição na CIM região de Coimbra tem muito a ver com esse trabalho coletivo e não apenas com o trabalho do José Carlos Alexandrino. Foi esse prestígio e um conjunto de relações que fui criando que ajudaram a projetar Oliveira do Hospital. Eu fui votado por voto secreto e por unanimidade.
Isso é porquê, fala ao coração das pessoas?
Eles (presidentes da CIM RC) dizem que eu sou genuíno. Não sou pessoa de grandes discursos, como o Vitor Neves ainda escreveu há pouco tempo no FC, e é verdade, mas digo sempre o que penso e gosto que as pessoas gostem de mim, não vale a pena esconder. Mas eu também gosto das pessoas. Mas gosto que as pessoas gostem de mim, percebendo que nem todas as pessoas são minhas amigas.
Sai zangado com algumas pessoas?
Não, não saio zangado com ninguém. Quando digo que sou católico, acho que nós na religião, devemos saber perdoar uns aos outros, porque nem sempre fazemos bem, há coisas que nos doem mais, que custam mais a passar, mas o tempo vai ajudando a sarar as feridas. Já tive pessoas que achei que não falaria mais e que hoje falo, e por isso aquilo que vos posso dizer é o seguinte: mesmo aqueles que me foram traindo e que foram acontecendo coisas, eu nunca desejei mal, tirando perderem as eleições. Nunca fiz isso, não tenho esse fundo. Mas esse é um assunto que ficou encerrado nestas últimas eleições.
Além da presidência da Assembleia Municipal, poderá vir a ocupar algum cargo?
O amanhã ninguém pode prometer nada. Aquilo que é a minha ideia neste momento, até porque recebi recentemente um convite para um cargo, já depois das eleições, que declinei e era um cargo que se coadunava com as minhas características, mas, como digo, a minha prioridade não é a política, neste momento estarei concentrado na minha vida pessoal e familiar. Acredito que o meu tempo político termina aqui, terei o meu papel como presidente da AM, amanhã poderei mudar de opinião, mas para já quero gozar a minha vida. Ainda tenho algum tempo nas Águas da Serra da Estrela, como sabem é um cargo não remunerado, e se eu pudesse saía hoje, mas as pessoas acham que a minha liderança é fundamental, nesta fase.
O que é que terá deixado por dizer?
Não sei, aquilo que eu digo é que as redes sociais constroem ignorantes, e às vezes isso desmotiva quem está na vida política com honestidade, com transparência, com rigor. Aquilo que me magoou ainda agora na campanha foi alguns virem dizer que tínhamos telhados de vidro. Não, nós nunca tivemos telhados de vidro, tive não sei quantos inquéritos que foram arquivados todos, a diminuição da dívida, houve sempre um grande rigor financeiro, porque nunca dei o passo mais além. Uma última palavra aos meus vereadores que me acompanharam, que foram uma família para mim, e que não foi preciso termos unanimidade em muitas coisas, e esta foi uma grande família, assim como os funcionários da Câmara, na sua maioria, porque não sou hipócrita para dizer que há um grupo na CM que se não estivessem cá, a Câmara rendia o mesmo.