Se há “heróis” de 15 de outubro, José Manuel Pedro e António Coimbra, bem podem usar desse epíteto.
Os dois homens, vizinhos, recordam agora como arriscaram a própria vida para tentar salvar a pequena Leonor, de 12 anos, que sofreu queimaduras graves em todo o corpo na fatídica noite do grande incêndio, quando o carro dos pais entrou em despiste às portas da cidade de Oliveira do Hospital. A mãe, Cristiana Brito, foi encontrada já na madrugada de 16 de outubro, morta no pinhal, perto de Gramaços.
O tempo passa, mas as memórias do 15 de outubro parecem não se apagar. Como não se apagou o fogo naquela trágica noite, que arrastou consigo praticamente toda a mancha verde do concelho, mas também habitações, muitas habitações e mais fatídico ainda, algumas vidas, como a da ainda jovem mãe Cristiana.
Como quase toda a gente, naquela noite, António Coimbra, 83 anos, e o vizinho, Zé Manel Pedro, com idade na casa dos 60, andavam num entra e sai, cada qual de sua casa, para verem o evoluir do fogo, que à medida que as horas passavam, se aproximava mais da cidade. Com casa à entrada de Oliveira, no sentido de quem desce da Catraia para a cidade, numa zona cercada por pinhal, José Manuel Pedro lembra-se que deviam ser umas 10 horas quando o fogo chegou ali, “parecia o diabo”. “Aquilo eram chamas por todo o lado, já não se via nada e de repente ouvimos gente a gritar, ó Leonor ficamos sem a mãe, ficámos sem a mãe”, conta o homem, que sete meses depois do fogo, tem ainda bem viva a imagem do pai a correr, desesperado, com a filha, estrada a baixo, à procura de ajuda. “O fumo era tanto que a menina só conseguiu chegar aqui porque o pai lhe disse para seguir as marcações da estrada, as pegadas de sangue dos (seus) pés estiveram ali muitos dias”, recorda o homem, que juntamente com o vizinho, entretanto hospitalizado desde o início do ano, na sequência de um acidente enquanto cortava uma árvore queimada numa propriedade, recolheram a menina para dentro de casa, enquanto chamavam a assistência médica. O pai, dizem, ainda voltou atrás a gritar pela mulher, sem que esta já lhe respondesse.
O carro, onde seguiam os três, tinha entrado em despiste alguns metros mais acima, capotou, e já se encontrava a arder. O jovem Márcio não sabia se Cristiana tinha conseguido escapar do interior da viatura, tal como ele e a filha, e António Coimbra e Zé Manel Pedro, ainda tentaram ir ver da mulher “quando as coisas acalmaram mais um pouco”. “Ainda fomos lá umas três vezes ver, mas a rapariga já lá não estava, nem havia sinais dela”, conta José Pedro, que entretanto tinha a menina para socorrer porque do “112 ninguém atendia”. “A minha mulher tentou umas seis ou sete vezes e nada”, e a “menina estava a ficar cada vez pior, só gritava com dores e com arrepios de frio, mas nós não lhe podíamos pôr nenhum cobertor que se colava à pele da maneira que ela estava”, adianta Maria da Conceição Pedro.
“Tínhamos de fazer alguma coisa, porque senão ela desfalecia aqui”, conta o sexagenário, adiantando que “mesmo com tudo a arder por aí abaixo” arriscou meter-se no carro, com o vizinho, o pai da menina e a pequena Leonor, toda queimada, conduzindo até ao hospital da Fundação, onde aquela hora já estava a ser prestada a assistência médica à população, por colapso do Centro de Saúde. “Fizemos o que pudemos, porque a menina já estava mal, tinha o corpo todo queimado e não podia esperar mais”, revela, acreditando que se não fosse a sua coragem e do vizinho, a pequena Leonor, que ainda se encontra a recuperar no Hospital Pediátrico de Coimbra, poderia não ter resistido.
Passados sete meses da tragédia, e sem notícias “fidedignas” sobre o estado de saúde da menina, José Manuel Pedro e a mulher Maria da Conceição, querem acreditar que Leonor está “benzinho” e um dia vai ali voltar para a sua história, mesmo sendo triste, ser recontada.