Um ano depois da maior tragédia de sempre, o presidente da Câmara, José Carlos Alexandrino fala da reconstrução do concelho que viu ser consumido pelas chamas no dia 15 de outubro de 2017 e garante que a imagem que algumas televisões quiseram dar agora de Oliveira do Hospital não passaram de “montagens” para intoxicar a opinião pública.
Uma entrevista Rádio Boa Nova/ Folha do Centro
Uma reportagem recente da TVI partilhou um cenário dramático da vida no concelho de Oliveira do Hospital, um ano após os incêndios. Ficou vincada, por diversas vezes, a ideia de que tudo falhou. Sentiu-se envergonhado ao ver aquelas imagens?
Não, não senti. Porque uma coisa é jornalismo de investigação que se quer sério, outra coisa é jornalismo sensacionalista, à procura de audiências a qualquer preço, que foi o que vimos nessa reportagem. E apontava apenas um pormenor para percebermos do que “vende” em televisão, é que uma das imagens que passa para mostrar o nível de destruição do nosso concelho não é uma imagem de casas de habitação destruídas, mas uma imagem aérea sobre os palheiros dos Fiais, uma imagem nitidamente para impressionar. Agora, também não posso deixar de dizer uma coisa é que aquilo que aconteceu ao concelho no dia 15 de outubro de 2017, nunca tinha acontecido. Aquilo que nos aconteceu foi a maior tragédia de sempre, e que, temos todos de ter consciência, não é fácil de resolvermos as coisas de um dia para o outro. Eu posso dizer que desde as 11h e30m do dia 15 de outubro que os incêndios me acompanham, não há paralelo de umas coisas destas na nossa história. Aquilo que eu disse, no dia 17 de outubro, numa reunião com os presidentes de Junta – alguns ainda não tinham tomado posse- é que a história nos julgaria por aquilo que fizéssemos a partir desse dia e é esse trabalho coletivo que não pode ser reduzido a um trabalho jornalístico de 30 minutos.
Mas foram avançados dados concretos relativamente ao processo de reconstrução das casas de primeira habitação e os dados disponíveis na própria CCDRC é que neste momento não há nenhuma casa totalmente recuperada. Quer esclarecer porquê?
Eu gostava de desmistificar algumas coisas relativamente a este processo. Numa primeira fase os nossos serviços técnicos, acompanhados pelos técnicos da CCDRC, fazem um primeiro levantamento das casas de habitação ardidas e chegam às 240 casas, o que é um número impressionante. Dessas, 164 são sinalizadas como casas de primeira habitação e 20 não cumprem os requisitos da CCDRC. Existem ainda seis, não sei quais os motivos, que desistem das candidaturas e 11 que não apresentam documentação, o que ao dia 24 de setembro faz com que tenhamos 127 casas validadas.
E dessas 127 não há nenhuma concluída?
Nós temos de ver que há vários níveis de reconstrução. Há reconstruções até 5 mil euros e dessas- tenho aqui a lista- estão concluídas 40 e estão ainda em execução sete casas. Entre 5 mil euros e 25 mil euros estão nove casas concluídas e estão nove em execução. E por isso posso dizer com a máxima segurança em Oliveira do Hospital há 49 casas concluídas, tenho os nomes das pessoas, e 49 casas não é igual a zero casas como se quis fazer crer. O que entrou no consórcio – que são 49 casas – e que a CCDRC é dono de obra e que faz as adjudicações, esse é que é um processo altamente moroso e ainda não há nenhuma casa totalmente reconstruída. Neste momento há só 17 casas em fase de obra, há limpezas e demolições noutras 17 e ainda estão em fase de projeto 15. É preciso perceber que isto não se faz de um dia para o outro. Ninguém mais do que eu, e do que a presidente da CCDRC e as próprias famílias lesadas gostaríamos de ter as casas mais adiantadas, mas a mim parece que o tempo passou demasiado depressa, e são tantos problemas para resolver…
Neste caso não teria sido preferível ter sido a Câmara Municipal a liderar este processo, como aconteceu nas adjudicações até 25 mil euros?
Aquilo que defendi é que as próprias famílias escolhessem o seu empreiteiro, tal como se faz com os seguros, sabia-se os metros quadrados, o preço por metro quadrado- tenho aqui para mostrar que o preço por m2 por que foram adjudicadas foi de 649 euros, dava-se esse valor às famílias, as famílias faziam o projeto e entregavam a quem entendiam e a CCDRC não gastava mais. Como é que tentámos amenizar isto em Oliveira do Hospital: eu propôs à senhora presidente da CCDRC que fossem empresas de Oliveira a formar um consórcio e indiquei quatro empresas, participei num conjunto de reuniões com essas empresas, que fizeram um grande trabalho de avaliação e diagnóstico e não aceitaram o preço de 649 euros/m2, propondo um preço superior de 850 euros/m2. Tive muita pena que não aceitassem o preço, porque isto envolveria não só estas quatro empresas, mas muitas outras empresas de Oliveira do Hospital.
Então porque é que agora vemos pelo menos um dos empreiteiros tão revoltado com a adjudicação que foi feita ao consórcio (de fora do concelho) que ficou com a obra?
Quem falou foi o senhor Joaquim Fernandes Marques (JMF) e falou daquilo que não sabe, porque nunca foi ele que participou nas reuniões. E quando se fala daquilo que não se fala daquilo que não se sabe tem um nome: é ignorância. Tenho aqui o contrato de adjudicação ao consórcio e o preço mantém-se nos 649 euros/m2. Porque se fosse possível alterar o preço, a senhora presidente da CCDRC entregava as obras ao consórcio de Oliveira do Hospital, porque percebeu a credibilidade das nossas empresas. Mas se nalgumas zonas o preço de 649 euros/m2 até eram suficientes, os empresários diziam que do vale do Alva para lá, onde há locais onde não chega sequer uma carrinha com materiais, este valor não era suficiente e fizeram uma contra proposta de 850 euros/m2.
Como é que se diz que foi passado um atestado de incompetência aos empreiteiros de Oliveira do Hospital?
O senhor Joaquim Fernandes Marques, claramente, estava mal informado, não tinha estas informações por que preço é que foram entregues a este consórcio.
Que foi o mesmo preço?
Precisamente. Tenho aqui o contrato, podem ver, está aqui o preço por que foram adjudicadas e percebe-se que aquelas declarações são absolutamente falsas. Já tive oportunidade de falar com os outros empresários, que me ligaram, e que também não percebem como é que se podem fazer declarações daquelas. E por isso é que eu digo que o trabalho todo que o concelho tem feito, não pode ser avaliado, nem reduzido aquela reportagem.
Além do preço, uma das condições para entrega da obra a este consórcio era que as casas fossem concluídas até ao final do ano. Entretanto, veio -se a saber que houve um prolongamento do prazo. Houve ou não houve um alargamento dos prazos?
É verdade, isto está aqui no contrato, num dos anexos, estão previstas prorrogações do prazo, tal como acontece com a obra pública. Eu admito perfeitamente, até pelo ritmo a que nós estamos e precisamos de ter outro ritmo, que não é possível ter as casas todas prontas a 31 de dezembro. Vamos ter algumas, mas eu gostava que fossem muitas, porque quanto mais depressa melhor. Eu tenho muita pena que as empresas de Oliveira não tenham aceitado, porque nós hoje estávamos muito bem servidos, tinham uma sensibilidade diferente para a importância de concluírem mais rapidamente estas obras, porque conhecem as pessoas, conhecem a realidade, mas eles acharam que o valor não era suficiente… Outra coisa que corre mal foi a CCDRC abrir três concursos públicos e não terem aparecido propostas, ficaram desertos, isto é um ajuste direto. E tudo isto foi perda de tempo. Ganharíamos à volta de dois meses se isto fosse logo entregue, numa primeira consulta. Mas há ainda outra coisa que atrasa o processo que é a realização dos projetos, que foi entregue à Faculdade de Arquitetura de Lisboa, que a meio do processo desiste. Portanto tem havido aqui algumas contrariedades que atrasaram o arranque do processo.
Na mesma reportagem podemos ver imagens de famílias com menores a viver em roulotes e anexos sem quaisquer condições. Um ano depois do fogo era suposto ainda existirem casos destes?
As famílias que falaram estão sinalizadas e temos que falar a verdade. A família que falou esteve alojada numa casa em Lourosa de renda, por iniciativa deles, e nunca pediu apoio à Segurança Social, porque a SS tem estado a apoiar estes casos. E foram eles que quiseram regressar a casa, que ardeu. Os meus serviços de ação social conhecem bem esta família e ela tem estado sempre a ser acompanhada. Tenho aqui relatórios do Banco de Recursos, do Banco Alimentar, do Oliveira do Hospital Friendly Municipaly e tem havido um apoio efetivo a esta família.
Quer dizer que esta família se encontra a viver em roulotes por opção?
Sem dúvida nenhuma, eu não encontro outro motivo, se eles estiveram instalados numa casa, se a Segurança Social lhe pagava a renda, foi por opção própria que foram para essas condições.
Às vezes é aquilo que se monta para mostrar a fragilidade disto, desta desgraça. Eu tenho um caso no Parceiro de um senhor que tem um filho que vive em Lisboa, ardeu-lhe a casa e morreu-lhe a mulher e ele vive num cubículo por opção própria. Os meus serviços, o Centro Social de Penalva que lhe leva as refeições, já tentamos tudo para o tirar de lá e não o demovemos, e o senhor tem 80 e tal anos. Perante isto o que é que temos de fazer é este consórcio dar prioridade a uma casa daquelas, mas esta é uma opção, e nós não temos o direito, se pessoa quer viver ali, se é feliz ali de o tirar dali. É fácil, numa tragédia desta dimensão, arranjar casos e fazer-se números e intoxicar-se a opinião pública.
Não há ninguém desalojado?
Não há ninguém desalojado, alguém dormiu debaixo da ponte em Oliveira do Hospital, alguém passou fome? Comigo, ninguém passou fome, nem ninguém dorme debaixo da ponte.
Eu nisso estou tranquilo, até porque o meu executivo, porque tem sido feito um esforço enorme, por mim, pelos senhores presidentes de junta ao sinalizarem situações que nos podem passar ao lado, tem sido um esforço coletivo neste renascimento, e por isso aquela reportagem vale o que vale, e cria o ataque à senhora presidente da CCDR, que não o merece.
De qualquer forma gostaria que os processos das casas estivessem mais adiantados?
O meu desejo é que as habitações estejam construídas o mais depressa, mas tem de haver consciência que as coisas não se resolvem de um dia para o outro. Até porque há questões de legalidade urbanística. Há pessoas que tinham casas onde não se pode construir. Aquilo que eu quero deixar bem expresso é que o meu executivo, as minhas equipas têm-se dedicado inteiramente aos incêndios deixando outras obras, porque achamos que a prioridade continua a ser as pessoas. Temos estado a acompanhar todos os casos, temos muitos bens que as pessoas hoje nem querem. E por isso eu não posso de maneira nenhuma aceitar que parece que em Oliveira do Hospital estivemos todos a dormir desde os incêndios, que não se fez nada, quando isso não é verdade. E há outra coisa que é importante dizer é que aqui ninguém nos pode acusar de termos negócios com as casas de primeira habitação, o único negócio foi o interesse em resolver os problemas das pessoas que perderam as suas habitações.
A sua vida como autarca não voltou a ser a mesma?
É uma tragédia sem precedentes para a vida de um autarca, para a vida de uma pessoa. Eu estive sempre na frente de fogo, e vi a destruição do concelho. Mas também quero dizer uma coisa, se há executivo com sensibilidade social e preocupado com os problemas das pessoas é este executivo. Tem sido um trabalho gigantesco, todos os dias os incêndios nos acompanham as nossas vidas, todos os dias surgem situações novas, mas deixe-me dizer-lhe que não é só o nosso executivo, o concelho tem sido um exemplo desse renascimento e dessa coragem de lutarmos para deixarmos um concelho reconstruído. Às vezes, como católico penso que Deus podia-me ter poupado a este desafio, mas se ele me escolheu é porque achou que eu era capaz de lhe dar resposta.