Meu caro Vitor Neves:
Só hoje, passados quinze dias, vi o artigo que escreveste onde te referes ao “padre casado, padre abençoado”. Como sabes o tempo pascal ocupa-nos muito e o jornal entrou como outros em espera de ser consultado!
Quero dizer-te que sempre, mais e mais me orgulho de ti… da tua frontalidade, do teu jeito e seres sincero e verdadeiro contigo e com os outros. De resto sempre assim te conheci desde os 11 anos!
Por isso a última coisa que eu queria era que tu te arrepiasses de eu poder ler os teus escritos que eu assinaria sempre sem os ler. Muito me agrada que tu entres no grupo de homens do nosso tempo para falares de assuntos actuais talvez às vezes difíceis mas sempre oportunos e construtivos. Falta-nos hoje gente que pense, que tenha coragem de reflectir os acontecimentos e as ideias com perspicácia e de forma construtiva. Um conhecido poeta latino escreveu: “sou homem e nada daquilo que é humano me é alheio”.
Escreves tu que “padre casado, padre abençoado”! Isso não me repugna! E creio que um dia a liberdade para cada um escolher estará por aí. Tão grave como obrigar ao celibato seria obrigar ao casamento. Nestas coisas não há como ir à história e ver como tudo começou. No Oriente não se adoptaram disposições legais contra o matrimónio dos sacerdotes. E ainda hoje assim é! No Ocidente pela primeira vez no sec. IV o Sínodo de Elvira prescreve não já o celibato mas a continência total dos clérigos E a única razão apontada é que o desempenho do serviço litúrgico exige a pureza ritual, que se perde com as relações conjugais! …Será mesmo verdade que as coisas do amor contaminam?!
A ideia desprezível da mulher e do casamento conduziu à exigência de uma vida assexual, semelhante à dos anjos, única que se julgava digna do ser humano. Era uma ideia de pureza cultual Uma espécie de lavar as mãos antes de comer!
Entretanto Jesus elevou à dignidade de Mandamento Novo o amor sustentado pela graça, o ágape, fixou por isso o matrimónio monogâmico, indissolúvel como a forma superior do contacto entre humanos. Assim se iluminou para o crente uma nova dinâmica da sexualidade.
O Apóstolo das gentes desautoriza as opiniões contrárias entre Coríntios quando diz ”Cada um recebeu de Deus o seu próprio dom da graça; um, de uma maneira (para o matrimónio) o outro, de maneira diferente (para a virgindade) ” (1Cor.7,7) A valoração moral do matrimónio e da virgindade depende da vocação pessoal em que se baseia.
Bem, meu caro Vítor, este assunto é muito amplo e não temos espaço nem tempo. Gostava que lesses o livro acabado de sair do nosso prior António Loureiro -. Saiu agora, fresquinho, fruto da reflexão que ele fez na peregrinação a pé, a Santiago de Compostela. Vou enviar-to.
É um diálogo que ele definiu como Retiro Orante! Um dos capítulos é dedicado à sexualidade. O tema é tratado com equilíbrio, com profundidade, sem paixão! Ali poderás entender o grande desafio do celibato consagrado no contexto duma sexualidade madura, determinada pelo amor.
A. Borges de Carvalho