Um 25 de Abril atípico

Sem os longos desfiles na capital, onde ecoam os cânticos de intervenção, onde nas lapelas sobressaem os cravos vermelhos; sem as manifestações sindicais e partidárias na descida da Avenida da Liberdade, com grandes cartazes com letras garrafais onde se reivindica a resolução para problemas fraturantes do país “Propinas Zero”, “Fora as PPP”, “Não existe planeta B”; sem as habituais palavras de ordem “Fascismo nunca mais”, “ Viva o 25 de Abril, viva a Liberdade”; sem as sessões solenes comemorativas desta data espalhadas por todos os pontos do país, estamos perante um 25 de Abril atípico.

No dia em que se comemoram 46 anos desde a queda do regime Marcelista às mãos do Movimento das Forças Armadas, no dia em que se comemoram 46 anos desde a obtenção de uma série de liberdades impensáveis durante o Estado Novo, estamos, paradoxalmente, confinados às paredes das nossas habitações. Cantamos a “Grândola Vila Morena” à varanda e lamentamos a nossa clausura no dia em que à semelhança da gaivota, da papoila e da criança, devíamos ser livres de voar, de crescer e de dizer.

Ora, acreditando ou não em fatalidades, certo é que a nossa democracia foi posta à prova. Num contexto social que só por si já não era favorável, é imperativo que esta dê provas da sua resiliência e que, apesar de sacrifícios necessários, sobreviva a este sobressalto. Porque a prova da vitalidade de um Estado de Direito é quando este é capaz de suprimir as liberdades dos cidadãos para assegurar o seu bem-estar, quando é capaz de instituir normas, quase de forma autoritária, para que a democracia conseguida pelos Capitães de Abril consiga vencer as adversidades.

Neste 25 de Abril atípico somos todos “políticos de bancada”. No conforto dos nossos sofás opinamos sobre as medidas empreendidas pelo Governo nesta guerra cujo inimigo é desconhecido e imprevisível, não imaginando a pressão que é ser governante nestas circunstâncias; criticamos o estado da saúde apesar do esforço honrado dos nossos profissionais, criticamos as instituições europeias quando não compreendemos a complexidade de legislar de forma a não lesar nenhum dos 27 Estados-membros. Mas, no final de tudo isto, quando a normalidade estiver restabelecida, continuaremos a cooperar com a exorbitante taxa de abstenção, continuaremos a dedicar mais atenção ao futebol do que à política nacional, continuaremos a criticar os partidos políticos quando pudemos comprovar que estes conseguem remar no mesmo barco, conseguem unir-se pelos portugueses. No final de tudo isto, continuaremos a tomar a Democracia como garantida apesar de termos percebido que, sem ela, seríamos uma causa perdida.

Urge, talvez, pensarmos e refletirmos sobre os populismos que têm emergido na Europa, e que também já estão entre nós. Que papel têm eles agora? O seu apagamento, neste período de crise, é a prova da sua pequenez, da sua inadequabilidade às nossas sociedades, da sua tacanhez intelectual, cívica e moral. Esta será a hora de reforçar os valores democráticos, de acreditar que são os governos legitimamente eleitos, de forma reforçada nas urnas, que nos poderão acudir em situação de catástrofe humanitária, económica e social.

E é neste sentido que, com a liberdade que foi conseguida há 46 anos, agradeço aos profissionais de saúde, aos professores, aos patrões, aos funcionários, à comunicação social, aos nossos políticos, em suma, a todos os portugueses, pelos esforços empreendidos para que a nossa democracia não se desmorone e para que em 2021 possamos celebrar os seus 47 anos todos juntos, em qualquer ponto do país, unidos por um sentido transcendente de missão cumprida.

Sou uma jovem de 17 anos, que já estudou e aprendeu muitas lições da História, mas que gostaria muito que esta crise, provavelmente a mais grave e a mais profunda desde a Segunda Guerra Mundial, surgisse nas páginas escritas pelos historiadores, daqui a umas décadas, como a crise em que os valores democráticos se reforçaram e a democracia venceu para bem das sociedades. Para isso, creio que os responsáveis políticos e as populações têm de entender que o diálogo com a mãe Natureza tem que ser outro, respeitando-a, para que não estejamos a pôr em causa o binómio Homem – Natureza; têm que prestar mais atenção às exigências das novas gerações e têm, acima de tudo, que conferir mais credibilidade à camada política, desmistificando as preconceções e as generalizações que banalizam todos aqueles que estão neste ramo para servirem e não para se servirem.

Quero acreditar que iremos comemorar os valores de Abril, muito proximamente e de forma reforçada.

Bárbara Coquim Serra

Vice-Presidente da JSD Oliveira do Hospital

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